domingo, 29 de abril de 2012

HISTÓRIA – O fim do Cruzador Bahia


CoColaboração do Granadeiro Sr. Cel. Carlos Fernando Freitas Almeida

O FIM DO CRUZADOR BAHIA
Durante a guerra, a autonomia de vôo dos aviões de combate não permitia o deslocamento direto dos ESTADOS UNDOS para o norte da ÁFRICA. Havia necessidade de se estabelecer bases intermediárias para o abastecimento e apoio das aeronaves. Além da base de HAVANA em CUBA, os americanos sentiram necessidade de entender-se com o governo brasileiro no sentido de conseguirem outras bases de apoio, oferecendo vantagens. Assim, em colaboração com o BRASIL surgem bases, nas capitais dos principais estados do norte e nordeste. Entre elas estava a de PARNAMIRIM, em NATAL, e no outro lado do famoso estreito do ATLÂNTICO, estava DACAR, no SENEGAL.
Várias vias navegáveis atravessavam o estreito e, destacando-se a importante da aerovia NATAL-DACAR que era muito necessária ao apoio as tropas em operações no norte da ÁFRICA.
Ao longo dos 3.500 km de distância foram estabelecidos muitos pontos de Estação, definidos por suas coordenadas; em cada Estação ficava um navio com a missão de contatar pelo rádio, apoiar e controlar os aviões que, por ali sobrevoavam.
Em 30 de junho de 1945, já terminada a guerra, o cruzador BAHIA desatracou do cais de RECIFE em direção da Estação 13, que ficava no final dos primeiros 900 km dos 3.500 km.
Nessas estações os navios tinham a missão de apoiar os numerosos aviões que passavam para DACAR ou de DACAR para NATAL.
Ao aproximar-se de sua Estação, o velho BAHIA, cruzou com o contratorpedeiro de escolta BAURU ao qual iria substituir. Com bandeiras do código naval, trocavam cumprimentos: boa missão e boa viagem.
A permanência correta no ponto de Estação exigia compensar com pequenos movimentos os deslocamentos impostos pelo vento e pela corrente marítima equatorial.
Os aviões passavam a grande altura; a neblina e as nuvens escondiam, muitas vezes, a sua silhueta.
Às 09h 00min hs do dia 4 de julho de 1945, dois dias após a chegada à Estação, o navio parou, ligeiramente, para ser colocado no mar um alvo flutuante destinado ao exercício de tiro de superfície das sete metralhadoras antiaéreas.
Às 09h e 10 min. ouve-se uma grande explosão. Ficou-se sabendo que, uma pequena granada de uma das metralhadoras antiaéreas atingira uma bomba de profundidade e, por onda de choque, certamente, explodiram também, as várias bombas idênticas que estavam arrumadas na ré do navio.
Admite-se que, da centena dos homens que se achavam no tombadilho, muitos morreram, outros foram feridos gravemente e agonizavam e não tinham condições de se movimentar.
Em conseqüência do grande rombo, o navio começou a afundar de popa, a quilha verticalizava-se e a proa começava a apontar para o céu. As baleeiras danificadas e outros meios de salvamento, não puderam ser utilizados porque a inclinação do navio impedia o funcionamento dos turcos (cordas que prendem as baleeiras).
Ninguém melhor que o Almirante SALDANIIA DA GAMA seria capaz de registrar os últimos momentos do BAHIA e a história das 280 vidas que, inicialmente abandonaram o navio.
O Almirante com alta sensibilidade narra o acontecimento segundo o depoimento do então Comandante LÚCIO TORRES DIAS, único oficial sobrevivente da tragédia.
 ...“fazia crer que dentro de poucos segundos nada mais restaria daquele barco ferido de morte. A bordo havia ainda movimento; eram os últimos retardatários que procuravam, desesperadamente, dar auxílio aos feridos impossibilitados de se locomoverem. E dentre estes retardatários cumpre mencionar o então 1º Sargento Enfermeiro JOÃO MORAIS DE LIMA. O fato que vamos brevemente narrar é um atestado das altas qualidades de dois homens que, com sangue frio, coragem e desprendimento, souberam bravamente enfrentar a morte. Logo após a explosão, o comandante do navio, Capitão-de-Fragata GARCIA D'ÁVILA PIRES E ALBUQUERQUE, gravemente ferido, foi conduzido à enfermaria, onde ficou aos cuidados do Sargento LIMA. Poucos minutos depois, pressentindo que o navio estava perdido, dispôs-se a conduzir o comandante para uma das balsas, sendo por este advertido com as seguintes palavras: "Salve-se, rapaz, porque eu sou um homem liquidado". Apesar desta ordem, o Sargento LIMA levou adiante o seu propósito de socorrer o seu comandante, sendo ambos tragados pelo mar quando o navio submergiu.
Outro fato também digno de menção foi o do Cabo JOSE PEREIRA DA SILVA. Havia 18 anos que ininterruptamente servia no Cruzador BAHIA. E deste não pôde se separar no momento supremo. Abraçado ao cabrestante desceu com o navio que tanto estimava. Aos companheiros que procuraram dar-lhe auxílio, disse que iria para o fundo com o seu navio, pois não podia dele separar-se.
“Os últimos instantes do velho Cruzador foram muito breves e sua agonia não deve ter durado muito mais de cinco rápidos minutos. A inclinação de popa sempre crescente resultou, finalmente, na submersão do navio com a quilha vertical a proa para o alto. Estava assim encerrada a longa, brilhante e operosa vida de um dos mais estimados navios da Marinha Brasileira.
Éramos a bordo 380 homens, dos quais 18 oficiais. Estávamos agora sensivelmente reduzidos, pois cerca de 100 companheiros, vitimados pela explosão, encontraram seu túmulo nas águas azuis do ATLÂNTICO, Destes, nove eram oficiais, categoria mais duramente atingida, visto que suas acomodações estarem localizadas na popa.
Em 17 balsas de cerca de 3 metros de comprimentos por 1,5 de largura, comprimiam-se aproximadamente 280 sobreviventes. Sobrecarregadas muito além de sua capacidade normal, estas balsas ficavam totalmente submersas, o que significava permanecermos mergulhados até pouco abaixo da cintura. Nosso equipamento era por demais rudimentar e deficiente; além de dois pequenos remos tínhamos, apenas, um reservatório de madeira para água doce, uma caixa metálica estanque contendo alimentos e alguns medicamentos, Os reservatórios de água tinham sido todos danificados pela explosão, resultando na contaminação do conteúdo. Privados totalmente de água como estávamos, somente uma esperança nos restava: as chuvas, os alimentos nos eram praticamente inúteis dadas a absoluta falta de água e o fato de se acharem quase todos deteriorados. Eram muito impróprios para a situação em que nos encontrávamos, visto serem todos desidratados. Constavam de leite em pó, bolachas e rações especiais pulverizadas.
As balsas não dispunham de meios para propulsão, sendo os remos empregados apenas para orientá-las em relação às ondas. Não dispúnhamos também de meios de proteção contra as intempéries. Após o rápido exame da situação, constatamos que se impunha manter as 17 balsas juntas, com o duplo propósito de apoio moral recíproco e da facilidade de sermos avistados pelos aviões que sobre nós passavam continuadamente. Era esta a única esperança de sermos vistos, pois tendo sido impossível emitir pelo radio sinais de socorro por ocasião do naufrágio, sentimos que era totalmente desconhecida a nossa sorte. Foi com a moral relativamente elevada que conseguimos vencer o primeiro dia nas balsas. A aproximação da noite foi por todos nós temida; era um período de 12 horas, durante o qual seria impossível sermos avistados, pelo fato de não dispormos de um meio de proteção alguma. Noite longa, muito longa, mesmo e penosa foi esta primeira passada em nossas balsas. Desprovidos de relógio não tínhamos a menor idéia da hora e angustiosamente esperávamos com os olhos atentos ao nascimento dos primeiros sinais da alvorada. Felizmente conseguimos todos vencer a dura prova desta primeira noite. Ao raiar do dia renascia em cada um de nós a esperança da chegada de socorro. Fazia 24 horas que estávamos no mar e era bem provável que a falta do BAHIA na Estação nº 13 já tivesse sido notada. O único fator desfavorável até o presente momento havia sido a dispersão das balsas durante a noite. Um refrescamento súbito do vento tornara impossível manter as balsas reunidas. Ao clarear do dia formávamos um grupo de, apenas seis balsas. Os primeiros sinais de fadiga já se faziam sentir após uma noite fria em claro sem termos, ao menos, a comodidade de um apoio para as costas, Coisa muito mais grave, porém, que o simples cansaço já começava a mostrar seus primeiros efeitos ao alvorecer do segundo dia, quinta-feira, a sede. A necessidade de ingerir alimentos rapidamente cedeu lugar imperioso, inadiável e angustiante ânsia de refrescar nossas gargantas ressequidas. A salivação já gradativamente diminuindo e os borrifos de água salgada, que nos momentos de distração deixávamos atingir nossos lábios, aumentavam ainda mais aquela sensação de desespero. E dizer-se que ali tão ao nosso alcance estava o elemento líquido que com uma simples transformação física possibilitaria o nosso alívio, a nossa redenção. É realmente uma das mais duras provas a que o espírito do homem pode ser submetido; o martírio da sede. Nem sempre são aqueles que melhor compleição física apresentam os fadados a uma resistência maior em face este martírio. É necessária sim, uma autodeterminação extraordinária, uma capacidade muito grande de resignação, em suma, uma disposição toda especial para manter o moral elevado e saber tirar o melhor partido, não só de suas reservas físicas, mas em especial das suas forças morais. Com a subida do sol a sensação de alivio por nós vermos temporariamente livres do insuportável frio da noite trouxe-nos algum conforto. Mas em breve a temperatura subia e víamo-nos ameaçados pela situação oposta; o perigo de um ataque de insolação. E as nuvens esparsas e bem elevadas eram um presságio negativo da ocorrência próxima de chuvas. E os aviões norte-americanos procedentes de DACAR continuavam a passar sob o azul do firmamento, muito altos, sem ao menos de leve se aperceberem suas guarnições do tremendo drama que se desenrolava naqueles ínfimos 17 pontos que a elevada altitude não os deixava perceber. Eram 280 homens que a impiedosa voragem da sede consumia com rapidez impressionante.
Cerca das 16 horas registramos em nossa balsa o primeiro óbito. Era o mais velho entre nós escolhido pela Providência Divina para receber em primeiro lugar o merecido repouso. Como estávamos rodeados de tubarões, resolvemos soltar o corpo de nosso companheiro ao sabor das ondas somente após o escurecer. Teríamos assim oportunidade de nos certificarmos melhor do óbito e evitar um possível ataque dos tubarões famintos. E assim fizemos. A noite do segundo para o terceiro dia foi ainda pior, sobrevindo, alta madrugada, os primeiros casos de alucinação. Consta este estado de espírito de uma forma de demência temporária originada da situação de extrema privação física e mental, em que o indivíduo se encontra muito além de sua resistência. Conforme o temperamento de cada um, a alucinação pode ir dos pacatos e simples devaneios pelos terrenos da fantasia, até a forma irritadiça e violenta, com ameaças físicas e mesmo lutas corporais. Pois bem, todos estes casos ocorreram em nossa balsa, em todas as graduações possíveis. Ao amanhecer do terceiro dia vários companheiros já não se encontravam mais entre nós; sonhando acordados, por força da alucinação, sentiram-se transportados nos braços da fantasia aos lugares mais desejados, onde o refrigério físico e o calor afetivo dos entes queridos representavam uma saída para aquela angustiante situação.  Era tão forte a convicção que o lençol líquido a nossa volta nada significava para a consecução destes objetivos. E é bem fácil de se imaginar o triste fim destes infelizes companheiros ao se entregarem inermes à senha devoradora dos tubarões. Na tarde do terceiro dia, como se não bastasse tanto sofrimento e tantas privações, tivemos em nossas balsas a presença de terríveis águas-vivas, denominadas "caravelas", que em número incalculável nos cercaram produzindo dolorosíssimas queimaduras. E assim, melancolicamente, víamos findar o terceiro dia. E os aviões continuavam a passar sobre as nossas cabeças e o tão almejado socorro não chegava Dos 17 homens que éramos em nossa balsa estávamos reduzidos a oito.
A noite do terceiro para o quarto dia foi verdadeiramente indescritível. A alucinação provocada pela sede se havia generalizado. Ao raiar do quarto dia éramos apenas quatro semi-vivos, cujo fio de esperança já havia sido inteiramente dominado pelas perturbações psíquicas. Calmos, sem manifestação de desespero, fisicamente liquidados com o corpo coberto de dolorosas úlceras provocadas pela prolongada imersão na água salgada e pela violenta ação do caustico emitido pelas caravelas e ardendo em febre, este era o nosso retrato. A morte era para nós um alívio, ansiosamente e desejado. Eis que, pelas sete horas da manhã, uma tênue fumaça no horizonte é avistada por um de nossos companheiros. Poucos, dentre nós, estávamos capacitados a interpretar aquela súbita aparição como a chegada do tão esperado socorro. E a fumaça foi aos poucos se transformando na silhueta bem definida de um navio cargueiro. Muito lentamente uma verdadeira onda de alegria invadiu os nossos corações. Efetivamente aquilo que há tantas horas vínhamos contemplando com indiferença representava o nosso salvamento, o nosso retorno ao mundo dos vivos do qual já nos achávamos parcialmente afastados.  E foi ali pelas 13 horas de domingo, dia oito de julho, que pisamos o convés do cargueiro inglês BALFE, que procedente de LIVERPOOL se dirigia ao porto brasileiro de SALVADOR, em viagem, comercial de rotina. De sete balsas, recolheram 33 sobreviventes, sendo cinco agonizantes. Os corpos foram solenemente sepultados no mar. Mais tarde, 28 espectros humanos desembarcaram em RECIFE, para a indispensável hospitalização. Das outras dez balsas foram recolhidos, apenas, mais oito sobreviventes nos dias subseqüentes por um grupo-tarefa de quatro navios de guerra, especialmente mobilizados para a missão de busca e salvamento. Estava assim encerrada a segunda parte desta tragédia marítima, a maior até hoje vivida no Atlântico Sul.
Estávamos agora reduzidos a 36 homens! Dos 380 que éramos a bordo, fomos imediatamente privados da companhia de 100 que a explosão fulminara naquela manhã de inverno equatorial, Duzentos e quarenta companheiros sucumbiram martirizados pela sede, pelo frio e pela exposição às intempéries, na vã esperança de um socorro que, infelizmente, não chegou a ser enviado a tempo".
A MARINHA DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
Obrigado Almirante SALDANHA.

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5 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de registrar que nesta data (20/01/2013) encontra-se internado no Hospital Naval Marcílio Dias HNMD localizado no RJ, um dos últimos sobreviventes do Cruzador Bahia. Trata-se do 1ºTen. Ref. Sr. Amaro Antonio Leite (92 anos). Trata-se de um patriota, homen íntegro com uma consciência cívica invejável,orgulhoso em ter servido a Nação/Marinha do Brasil.
Carlos Wellington dos Santos
Enteado - civil

Granadeiro C.Gomês disse...

Sr. carlos Wellington, agradeço não só suas informações como também sua participação em nosso blog, isto nos enriquece os conhecimentos e também o nosso civismo. Caso tenha mais algum material ou fotos não só do Cruzador mas também de nosso heroi e se puder nos enviar, ficaremos felizes em poder prestar homenagens devidas
c.e.gomes@terra.com.br

LUCIA BRANDÃO disse...

O Ten. AMARO ANTONIO LEITE, ERA MEU TIO-AVÔ, E COM ELE APRENDI VARIAS HISTÓRIAS QUE EU NÃO SABIA.LAMENTAVELMENTE, ELE NOS DEIXOU NO DIA 25 DE JANEIRO DE 2013, POR HAVER ENTRADO EM ÓBITO.TENHO ALGUMAS FOTOS DELE POSTADAS NO MEU FACE-BOOK, ONDE VC ME ENCONTRA COMO LUCIA BRANDÃO BRANDÃO.

Unknown disse...

Prezados,

Sou neto do Sr. Hudson Esteves, que esteve no cruzador Bahia por diversos períodos. Por sorte do destino foi transferido para outro navio alguns dias antes do naufrágio.
Gostaria de entrar em contato com familiares das pessoas do cruzador Bahia, é muito importante para meu avó.
Segue meu email e telefone para contato:
Email: marceloesteves2@gmail.com

Anônimo disse...

Sou familiar de JOAO TEIXEIRA ( um dos tripulantes mortos do Cruzador Bahia ). Peço a quem tiver alguma informacao sobre ele que entre em contato comigo pois é de suma importancia para mim. Meu e-mail:
lucienetnasci@ig.com.br. Grata.