segunda-feira, 25 de abril de 2011

HISTÓRICA - Buarque, o 1º navio torpedeado pelos alemães

Hoje fomos brindados com uma narrativa do capitão de Longo Curso João Joaquim de Moura, enviado pelo Granadeiro Carlos Fernando Freitas de Almeida, Cel Fernando, que é sobrinho do então comandante do Navio Buarque, o 1º torpedeado pelos alemães e salvo por uma belonave americana. Relato de grande valor histórico.

Meu Tio Joca
Olhando o mar, à nossa proa, na noite fria de 14 de fevereiro de 1942, fiquei imaginando o que nos aguardava, oculto naquelas águas escuras, à medida em que navegávamos rumo a Nova York, no "meu" velho Buarque, um paquete de carga e passageiros, cujo comando assumi em 1940. Fui bem claro, ao dizer ao Diretor do Lloyd, que era uma loucura enviar um navio ao principal porto americano do Atlântico, bloqueado por matilhas de submarinos alemães, com a rádio Berlim avisando em todos os idiomas: "ninguém passará! Ele alegou,"somos um país neutro; mandamos pintar a bandeira em ambos os costados, bem grande, com holofotes para a noite e eles são obrigados a respeitar", foi a ingênua resposta. De minha parte, fiz o que me competia. Tentei desestimular os passageiros, alertando dos perigos. Treinei a tripulação a exaustão. Dois exercícios de abandono por dia; baleeiras prontas e disparadas para fora, com água, facão de emergência e tudo bem verificado, inclusive sinalização e telegrafia de emergência. O mais ficava por conta de Deus e da Kriegsmarimne ...
Às 19hs, na altura de Cap Rateras (hoje Cabo Kennedy) um pequeno avião americano voando baixo soltou um para­quedas luminoso, sinal de submarino nas proximidades. Meia hora mais tarde um submarino alemão surgiu por estibordo, a menos de cem metros e ficou nos observando por 5 minutos, depois mergulhou. Os refletores iluminavam bem a bandeira brasileira pintada no casco do Buarque. Sem poder dormir, tomei um conhaque e fiquei no camarim de navegação, marcando na carta náutica as posições dos navios que estavam sendo torpedeados próximos a Nova York; já ultrapassava uma dezena, quando decidi que precisava dormir. A temperatura era de 8 graus abaixo de zero, por isso, além da estufa de vapor do meu camarote, liguei um aquecedor elétrico e recostei-me no beliche, ainda vestido. Aos 45 minutos do dia 15 fui acordado por violenta explosão. O navio sacudia por inteiro, como se caminhasse sobre pedras. Vidros se partiam e tudo o que estava solto era lançado ao chão. As anteparas e toda a estrutura vibraram, sacudidas por um sopro gigantesco. Agarrando-me como deu, corri ao passadiço e no telégrafo da máquina pedi ré a toda força, duvidando ainda haver alguém para atender. Mas, o terceiro maquinista estava a postos e deu máquina atrás, até o momento em que mandei parar e dei o aviso de abandonar o navio. O Buarque recebera um torpedo por bombordo, na altura dos porões 1 e 2. Nossa posição era 3600 - 13' de latitude N e 74° - 58' de longitude W. Infelizmente, com a explosão, as antenas se partiram e não houve possibilidade de informar a posição. Disciplinadamente, os tripulantes e passageiros se acomodaram nas baleeiras; mandei arriá-las e afastarem-se depressa do costado. Verificamos que não faltava ninguém; não embarquei de imediato em minha baleeira, a de n° 1, mandei arriá-la e segura-la. Corri ao camarote, pois me lembrara de algo: não sabia quantos dias ficaria no mar. Peguei meu revolver, verifiquei estar carregado e voltei ao convés.
Nova explosão abalou o navio, porém mais fraca, devia ser as caldeiras. Corri para os turcos da minha baleeira e desci pelos cabos da talha até alcançá-Ia na água.
- "Remem depressa" - ordenei - "senão vamos ser sugados". Mal nos afastáramos cerca de 40 metros, quando outro torpedo atingiu a meia nau, o velho Buarque se partiu em dois e afundou rapidamente. Reunimos as quatro baleeiras e mandei rumar para a costa. O mar estava sereno e ventava pouco. Içamos a vela e seguimos lentamente para Oeste, a telegrafia funcionando bem, bateria com boa carga; à tarde fomos avistados por dois aviões pequenos, voando baixo que jogaram sacos com sanduíches e sinalizaram para seguirmos naquele rumo.
Chegamos a visualizar uma grande bóia, que deveria ser a de Norfolk, quando o vento N se tornou violento e ao anoitecer já era um terrível temporal levantando enormes vagas. Reduzimos a vela a um terço do pano, só para tentar manter um rumo. As baleeiras se dispersaram, o tempo estava gelado, com muita chuva, vento e vagalhões. Cada caturro no mar fazia entrar água nas baleeiras, além da chuva e mal dávamos conta de retirar a água com baldes. Naquela primeira noite de tormenta, com a baleeira sacudida pelos vagalhões, como uma casca de noz, alguns moços de convés e marinheiros novos começaram a medrar, gritando que íamos morrer e parando de tirar a água do fundo. E ai eu gritei "Vou jogar n' água, quem não me obedecer". "Quero todos baldeando e calados". Felizmente, os mais velhos se portaram bem e tudo se acalmou. Fiquei na cana do leme, com as pernas esticadas, seguras pelo conferente de carga, temendo que algum vagalhão me jogasse ao mar pela popa.
O médico de bordo revezava comigo no leme, mas agüentava muito pouco. Segurávamos a cana embaixo do braço para maior firmeza. O doutor depois de uma hora relaxava o leme, a baleeira começava a atravessar nas ondas e eu corria para substitui­-lo. Meu grande medo era sermos colhidos pela Corrente do Golfo e levados para a Inglaterra. O céu de chumbo não revelava o sol e à noite não havia estrelas. O jeito era correr com o tempo, como vento pela aleta de estibordo, navegando ao sabor do mar. Cada vez que entravamos no cavado de uma onda, deslizando morro abaixo, parecia o fim de tudo, mas a valente embarcação sempre achava um jeito de voltar a navegar:
A alimentação eram bolachas, sanduíches americanos e chocolate sem sal e pouco açúcar, para não dar sede. Água havia suficiente para duas semanas. A distribuição era rigorosa e o primeiro maquinista soube controlar bem, me ajudando muito nesse particular, que poderia gerar tumulto.
No segundo dia o mastro quebrou ao meio, felizmente não atingindo ninguém. Reduzimos o pano e a pequena vela foi suficiente para dar seguimento ao barco e poder enfrentar as grandes vagas.
Depois de três dias que nos pareciam semanas; quando o vento começou a melhorar, avistamos no horizonte uma silhueta, talvez um vaso de guerra. Imediatamente peguei a pistola de sinalização e lancei dois pára-quedas luminosos. Sem resultado. Mais um tiro e vimos a proa de um destróier vindo em nossa direção. Euforia geral.
Com grande velocidade o vaso americano aproximou-se da baleeira, porém fazendo cautelosa manobra em circulo, com canhões e metralhadoras apontadas para nós. Era o U.S.S. Jacob Jones. Depois nos explicaram que os alemães usavam o ardil de ficar apenas com a torre ta na superfície, colocando vela e soltando foguetes de sinalização, conseguiam iludir e afundar os navios de resgate. Após conferir a realidade, encostou a barlavento e lançou rede para subirmos a bordo. Alegria incontida substituíra a tristeza desesperada dos náufragos. A bordo fui recebido pelo Comandante, Hugh Back, que me levou para seu camarote, ofereceu-me um bom banho quente, Whisky (de milho) e grape-fruits. Tratamento de irmão. Soube pelo Comandante, que todas as baleeiras foram resgatadas.
A uma velocidade, que me pareceu espantosa, rumou para a base naval de Norfolk, onde desembarcamos recebidos pelo cônsul brasileiro. Uma foto dos náufragos, com os oficiais de bordo e um desenho da baleeira carregada de desesperados náufragos, feito pelo Imediato foram as lembranças que levamos da guarnição do Jacob Jones. Tão logo nos desembarcou, voltou para o mar, para cair nas garras da alcatéia de lobos, que eram os submarinos alemães. Soubemos do naufrágio no dia seguinte, e da perda de todos os tripulantes. Do comandante BACK guardei até hoje as roupas de lã que me deu. Quanto aos nossos, perdemos apenas um passageiro português, Manoel Comes, que no pior da tempestade sofreu um ataque cardíaco.
Voltando ao Rio de Janeiro, fui recebido pela imprensa e uma multidão de curiosos. Houve missa de ação de graças na Igreja São José. Voltei ao Lloyd e pedi novo embarque. Designaram-me para comandar o vapor Rio Branco, com viagem marcada para Nova York. Mas, essa já é outra história.
Obs.:* escrito, baseado nas memórias do Capitão de Longo Curso João Joaquim de Moura, por seu sobrinho Armando Luiz Gonzaga.
* O Comandante "JOCA" recebeu medalha de guerra com três estrelas e navegou durante toda a 2° guerra.
* Lloyd é a companhia de navegação Loide Brasileiro.
* A terminologia naval é a empregada na Marinha Mercante.
* O Buarque, 1° navio brasileiro afundado, foi torpedeado pelo submarino alemão U-432.
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5 comentários:

Tony disse...

Gostaria de saber com relação ao Buarque, qual a certeza que o navio tenha sido afundado por um submarino de procedência alemã. Houve como saber se era alemão mesmo ou supos-se isso?


Parabens pelo site. tony.ferrand@gmail.com

Granadeiro C.Gomês disse...

" Meia hora mais tarde um submarino alemão surgiu por estibordo, a menos de cem metros e ficou nos observando por 5 minutos," - As embarcações possuem marcações muito claras de suas unidades navais. Depois do termino da Guerra fora verificado as anotações da marinha alemã onde se identificou não só este mas todos os ataques feitos aos nossos navios. caso se interesse pelo assunto sugiro um livro que li e é muito elucidante neste aspecto, O Brasil Na Mira de Hitler, fala sobre os ataques e mostra uma série de documentos, um rico material.

Anônimo disse...

Meu pai estava nesse navio e foi exatamente essa história que nos contou.

Unknown disse...

Meu pai estava nesse navio e foi exatamente essa história que ele nos contou.

Wilma disse...

Esqueci de dizer! Seu nome era Julio Lobato dos Santos.