quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MOMENTO ALOPRADO – O poder da música!


Foto interessante esta.. durante o serviço militar eu com a minha "inseparável" corneta, inseparável porque quando ela ficava em minhas mãos eu não precisava prestar continencia para ninguém, o regulamento dizia "corneteiros não prestam continência". Mas voltando a esta foto, ai, estou eu prestes a executar a marcha batida para o haste amento da bandeira e, por conseguinte a rendição da guarda do quartel estou logo atrás do oficial de dia apelidado de "coqueiro", dá para perceber porque, não??? Como seu apelido já dizia, ele realmente dava uma sombra muito boa para aquele sol matutino, e os guardas, bem... os guardas se dirigiam para as suas guaritas para "puxar uma hora"..., e o esperto ia enrolar o dia inteiro até a hora do toque de "avançar o rancho", mais conhecido como almoço para os paisanos.
A música pode proporcionar poderes interessantes para um musico corneteiro, quando ele está servindo o exercito, entretanto fui testemunha e autor de uma destas ocasiões incríveis onde um simples corneteiro tem toda uma tropa aos seus pés, digo a mercê de suas notas musicais... Como se sabe, o comandante de um batalhão jamais diz para todo um batalhão perfilado a sua frente ordens como: Sentido!!! Descansar!!!! Ordinário.. Marche!!! Esta ai uma das inúmeras funções que um corneteiro possui.
Para cada ordem que se dirige para uma tropa, sempre existe um toque de corneta, como por exemplo, o famoso ORDINÃRIO!!! MARCHE!!!!!!, desta forma toda vez que um quartel inteiro se perfilar diante de seu comandante, todas as ordens são solicitadas por ele para o corneteiro "de dia" executar, e neste dia fatí­dico para muitos eu era O CARA.
Nesta ocasião em que todos os 850 militares do quartel estavam se alinhando para o inicio desta cerimônia matinal habitual, o comandante do batalhão, me falou baixinho, -Corneteiro!!! Preciso que você me execute um toque que ninguém neste batalhão conheça, o que você sugere? Eu pensei.. Pensei... Ai me preocupei justamente com meus superiores hierárquicos tais como com tenentes coronéis, capitães, tenentes, e sargentos que também estariam perfilados com os soldados rasos no pátio.
Resolvi rapidamente estas questões sugerindo um toque que só afetasse aos soldados, desta forma me livraria de ser punido de baixo para cima pela hierarquia militar, afinal no futuro todos iriam saber que, quem escolheu o toque fatí­dico teria sido EU!!!!, Lembro que o comandante de minha companhia, que também estaria perfilado junto com todos, e com certeza me puniria se eu o incluí­sse neste comando.
Desta forma me decidi e disse ao meu comandante, Coronel o toque que com certeza ninguém irá identificar é o toque de ARMAS AO SOLO. NOTA DO ESCRITORO toque de Armas ao solo, que nunca tinha sido utilizado naquele batalhão em minha incorporação, consiste em uma relação especí­fica de notas que identifica a ordem acima mencionada, após este ato o corneteiro toca uma nota aguda que denuncia o inicio da realização da ordem. Os comandados deverão na seqüência dar um passo à frente com o joelho flexionado ficando rente ao chão, olhando para frente com seriedade, e seu fuzil colocado no solo com a mão direita por sobre o mesmo.
Para a conclusão deste comando o corneteiro executa novamente a mesma nota aguda, e após esta segunda ordem, o soldado deverá voltar à posição inicial, mas... Sem a arma, pois o fuzil ficará no chão bem a sua frente. “Muito bem corneteiro”, disse meu comandante, quando eu mandar, "você toca armas ao solo, ok??", -Sim senhor comandante, disse eu de peito estufado, e em posição de sentido, e pensei com meus botões...e seja o que Deus quiser...Mesmo sabendo que após este toque, com certeza eu iria tocar a maior zorra que o quartel já havia presenciado, fiquei calmo, afinal o homem era meu comandante, e seu eu não o obedecesse era preso com certeza.
Perceberam como a coisa era meio, se correr o bicho pega se ficar o bicho come??, Se não for esperto no exercito você dança. E finalmente a cerimônia matinal tem seu derradeiro inicio, tudo vai correndo como a rotina de todos os dias, sem erros, tudo normal, mas só eu sabia o que o destino havia reservado para os soldados. Os comandantes de companhia apresentaram seus comandados para o Coronel Comandante, a marcha batida executada pela bandinha do quartel..a bandeira já hasteada..., o comandante me pede para que eu toque sentido, tudo na maior normalidade.
De repente ele vira para mim...coloca a mão por sobre o microfone que usava para discursar , para que ninguém ouvisse, e me disse baixinho Toque o toque!!! Efetuando um giro com a corneta entre os dedos, movimento semelhante que os tenistas fazem com as raquetes de tênis, posicionei o bocal da corneta nos lábios solenemente como sempre fazia, encarei aqueles 850 caras perfilados na minha frente, e por 5 segundos, que me pareceram 5 horas, curti todo o poder que meu comandante havia me confiado para aquele acontecimento!!!
Executei o toque inicial, durante a pausa, de rabo de olho já percebia que muitos soldados na tropa já se entreolhavam completamente perdidos com o toque que eu havia realizado, finalmente toquei aquela mortal nota aguda para a execução do comando....E o que se seguiu, foi a maior bagunça que 850 homens completamente desavisados poderiam fazer, uns saí­ram marchando, outros deram meia volta e trombaram cara a cara com os que estavam marchando, uns apresentaram armas ou descansaram e acabaram sendo atropelados pelos que estavam marchando.
Entretanto oficiais, cabos e sargentos não se mexeram, graças a Deus, minha estratégia havia dado certo, consegui fazer exatamente isso que meu comandante havia determinado, coisa que vir a saber o porquê, tempos depois. Mas voltando a TURBA...enquanto cada soldado fazia uma coisa mais diferente e mais esquisita que seu colega do lado, o comandante tira o microfone do pedestal com energia e raiva e diz inteligentemente para que todos o ouçam..: -Corneteiro toque Sentido, com certeza neste instante este seria o único toque que daria fim naquela loucura, se eu tocasse mais algum toque estranho, soldado ia acabar dando tiros para o ar.
Com certeza esta gente adorou ouvir aquele toque conhecido, depois de tamanha bagunça coletiva, e após a nota aguda de execução, todos pararam no lugar onde estavam...., muitos já haviam se distanciado uns 60 metros da posição em que inicialmente se encontravam, acho que muitos estavam indo para o restaurante, pensando que eu tivesse tocado o famoso "toque do Rancho", Hi!! Hi!! Hi!!.Um silencio sepulcral se instalou no pátio do quartel, nunca na minha vida eu consegui segurar um riso descontrolado, e como estava ao lado do comandante aprendi naquele instante a fazer isso, ou ir para a cadeia...
Na seqüência o comandante diz: - O que está acontecendo com vocês soldados??? Será que vocês não sabem reconhecer um simples toque de ARMAS AO SOLO???, Isso é uma vergonha etc.. etc.. etc. A seguir o comandante diz, ;-Comandantes de companhia!!! eu quero que todos os seus comandados fiquem treinando ordem unida o dia inteiro, e que sejam utilizados todos os toques que existirem no manual do exercito, até estes mocorongo não se esquecerem de nenhum, quero ver amanhã se estes soldados vão se esquecer de algum. Depois eu vim a saber que, como já estava muito próximo o dia do soldado, o comandante queria testar e bem como fazer com que os soldados treinassem ordem unida com afinco, para que desta forma ninguém pagasse vexame no dia do soldado.
Esta solenidade é realizada com todos os batalhões de São Paulo perfilados, e na frente do general comandante da região, e o presidente da Republica, que na época foi o Presidente Ernesto Geisel. O quartel treinou o dia inteiro, só parando para o almoço, eu e meus colegas corneteiros trabalhamos muito neste dia também, no final da tarde eu não conseguia mais tocar, pois justamente o treinamento foi executado com corneta.
Acho que no final do dia minha boca estava com o mesmo aspecto que provavelmente deve ficar a boca de um trompetista depois de tocar por 5 dias seguidos em um baile de carnaval. No dia seguinte "novamente", durante a cerimônia matinal com a tropa, adivinhem qual foi o primeiro toque que o comandante pediu para que o corneteiro do dia tocasse... ???.
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